sexta-feira, 15 de fevereiro de 2013

À sombra das chuteiras imortais - Autoestima

Zizinho, Puskas, Didi, Garrincha, Pelé, Zagallo, Nilton Santos, Dida, Leônidas, Almir Pernambuquinho, Julinho Botelho, Gilmar, Amarildo e Tostão. Brasil, Argentina, Uruguai, Paraguai, União Soviética, Bulgária, Rússia, Suécia, Inglaterra. Mas também Flamengo, Botafogo, Santos, Honved (Hungria), Manchester United (Inglaterra), Milan (Itália) e, claro, o Fluminense. Ah, ainda tem coisas sobre o massagista Mário América, juízes, bandeirinha e técnicos como Vicente Feola e João Saldanha.

Quando optei por ler no período de folga pós-dissertação À sombra das chuteiras imortais: crônicas de futebol, de Nelson Rodrigues, até imaginei que teria muita coisa interessante, muitas frases inteligentes, irônicas e/ou perspicazes sobre alguns dos momentos do futebol nacional. Surpreendi-me com a quantidade.   Olha que a seleção realizada por Ruy Castro compreende o período de 1955 a 1959 (Manchete Esportiva) e de 1962 a 1970 (O Globo), com tantos anos e personagens a se passarem até a morte do escritor, em 1980. E tantas crônicas sobre futebol publicadas antes disso pelo jornalista "tricolor de coração".

No mesmo ano de À sombra..., 1992, foi publicado outro livro de crônicas, A pátria sem chuteiras e em 2002, só que editado por Nelson Rodrigues Filho, O profeta tricolor: cem anos de Fluminense. Além desses livros, com crônicas apenas de Nelson, Oscar Maron Filho e Renato Ferreira organizaram, em 1987, Fla-Flu... e as multidões despertaram, com textos sobre o clássico também do irmão dele, Mário Filho, jornalista destacado na profissionalização do futebol na década de 1930 e que, não por acaso, é o nome do Maracanã desde a década de 1960.

Isto foi explicitado para demonstrar que o autor de tantos romances, muitos adaptados para teatro e televisão, com obras de um realismo social impressionante, era também apaixonado por futebol. Como alguns dos principais escritores brasileiros do período, espaço para crônicas em jornais sempre existia. Se Drummond também escreveu em grande quantidade sobre o esporte bretão, são frases e personagens de Nelson Rodrigues que melhor povoaram as mentes dos torcedores, especialmente os cariocas. Afinal, quem nunca ouviu o tal do "complexo de vira-latas", personagens como "Sobrenatural de Almeida" ou a frase que sempre aparece em Fla-Flus, este clássico que "começou 40 minutos antes do nada"?

Até separei algumas das frases, novas conhecidas, que me faziam rodar imagens na cabeça para produzir desenhos ou, quem sabe, em forma de quadrinhos. Mas dada a falta de condições, deixo isso para outros momentos.

Para agora, ainda na esteira do centenário de Nelson Falcão Rodrigues, comemorado no dia 23 de agosto do ano passado, optamos por trazer algumas citações e comentários sobre algumas das crônicas publicas em À sombra das chuteiras imortais divididos em algumas fases, tendo como base as Copas do Mundo de 1958, 1962 e 1966. Para início, um tema bem recorrente pós-Copa de 1950: a confiança do brasileiro.
A FRÁGIL AUTOESTIMA BRASILEIRA
Uma das coisas que achei curioso ao ler as crônicas foi que conhecido por denominar como "complexo de vira-latas" o que sofreria o escrete brasileiro em momentos decisivos, Nelson Rodrigues sempre acaba por se mostrar otimista  com a seleção - sabe-se lá se em alguns momentos com certa ironia. Bronca em comentaristas, jornalistas, políticos, torcedores e colegas escritores. Ninguém é perdoado de suas críticas quando fala mal de jogadores como Pelé e Garrincha ou não confia na Seleção brasileira.

No caso dos torcedores, ele critica a atitude de vaiar o selecionado durante uma vitória sobre a Inglaterra, no Maracanã, contra a Inglaterra:

“Dirão vocês que nas arquibancadas e gerais, o povo quis ajudar o escrete. O diabo é que o povo vaia sem querer, vaia automaticamente. Sim, o povo morreria de tédio e frustração se não pudesse vaiar qualquer coisa, inclusive o minuto de silêncio. E portanto o povo, a um só tempo bom e crudelíssimo, ora vaiava, ora aplaudia. Mas eu falo dos que, nas perpétuas, tribunas e cativas, torciam, com o mais límpido, translúcido despudor, pelo inimigo” (149 – À sombra dos criolões em flor – 17/6/69).

Justo o torcedor, a quem Nelson acreditava ser "uma das potências do futebol brasileiro", como escrevera 11 anos antes: “Parece um pobre-diabo, indefeso e desarmado. Ilusão. Na verdade, a torcida pode salvar ou liquidar um time. É o craque que lida com a bola e a chuta as acreditem: - o torcedor está por trás, dispondo” (49 – O quadrúpede de 28 patas – 17/5/58).

Além disso, há outro ponto, que ainda persiste: Nelson destaca algumas vezes o verdadeiro desejo dos "entendidos do futebol" que a prática brasileira seja igual ao que se faz na Europa: “Vou concluir: - o ‘entendido’ só não se torna abominável porque o ridículo salva” (183 - 10/6/70). Olha que ele escreve num bom período para o Brasil, com títulos nas Copas de 1958, 1962 e 1970.

Sobrou também para comentarista ex-jogador. Leônidas da Silva apareceu em alguns momentos por criticar determinados jogadores. Segundo Nelson, era inveja, como destaca neste texto sobre o alagoano Dida, que atuava no Flamengo:

“Só hoje, passado o impacto da Copa do Mundo, é que se compreende a ferocidade de Leônidas. Craque do passado, ele quer ser ainda ‘o maior’. Sofre com os ‘diamantes negros’ ou ‘brancos’ ou ‘morenos’ da atualidade. A glória alheia, em futebol, o ofende e humilha. E, por isso, meteu o pau em Dida. Era como se dissesse: - ‘Ah, meus tempos, meus tempos!’” (69 - Cem por cento Dida – 30/8/58).

Ainda em 1959, quando o Flamengo goleou os húngaros do Honved, sob comando de Puskas e cia., no Maracanã, Nelson relembrou o nosso potencial na disputa do esporte normatizado na Grã-Bretanha:

“O brasileiro gosta muito de ignorar as próprias virtudes e exaltar as próprias deficiências, num inversão do chamado ufanismo. Sim, amigos: - somos uns Narcisos às avessas, que cospem na própria imagem. Mas certas vitórias merecem um total respeito. Por exemplo: - a de sábado. A garotada rubro-negra deu-nos uma lição maravilhosa, que é a seguinte: - o futebol brasileiro, jogando o que sabe, observando as suas verdadeiras características, é o melhor do mundo” (30 - Irresistível Flamengo – 26/1/57).

Além do otimismo, Nelson Rodrigues aqui e acolá tenta deixar crer que o futebol praticado no passado era melhor que no presente. Como dirá em 1955, talvez porque "o passado sempre tem razão". Ironias, muitas, é claro. Segue um exemplo:

“Mas o sol potencializava o jogador e o protegia contra o tifo, a malária e a peste bubônica. Sim, bons tempos em que o Brasil não era ainda tropical ou por outra: - não sabia que o era! O craque usava bigodões imensos, carapuça e mais: - seus calções escorriam até as canelas. Lindo, lindo. E assim, encouraçado de sol, abarrotado de claro, o craque ou o perna-de-pau eram uma bastilha deslumbrante de saúde” (118 – Encouraçado de sol – 13/4/64).

Parte deste jeito de pensar seria por conta do "complexo de vira-latas" que permearia o inconsciente coletivo, subconsciente ou o que quer que seja do brasileiro, principalmente quanto ao futebol. Mas este é um assunto para o texto seguinte, em que trataremos de como o trauma de 1950 sucede os anos e segue permeando o consciente do próprio Nelson Rodrigues.

REFERÊNCIA
RODRIGUES, Nelson. À sombra das chuteiras imortais: crônicas de futebol; seleção e notas de Ruy Castro. São Paulo: Companhia das Letras, 2002. 

Nenhum comentário:

Postar um comentário