sábado, 5 de janeiro de 2013

O poeta da Vila

Depois de muito tempo, resolvi passar pelo site da revista piauí, que eu considero uma das melhores revistas do país justamente por conta de seus diferentes e, geralmente, longos textos que contém sempre um algo a mais - possibilitado pela propriedade da revista ser de banqueiros, é bem verdade. Lendo a coluna "questões musicais", de Eliete Negreiros, sobre Wilson Batista, acabei ouvindo a disputa que se deu entre ele e Noel Rosa: Lenço no pescoço X Rapaz folgado; Feitiço da Vila X Conversa Fiada; Palpite Infeliz X Frankenstein da Vila.

Dentre os vídeos, há um trecho de Noel - o poeta da Vila (2006), filme que conta a história de Noel Rosa, dirigido por Ricardo van Steen, que já havia filmado o curta-metragem "Com que Roupa?", uma das primeiras e mais clássicas músicas de Noel em 1996. Com a praticidade contemporânea da internet, foi fácil achar o filme no Youtube. Ao menos por este início do ano com um tempo de folga, nada melhor que assisti-lo.



COM QUE ROUPA?
Conheci Noel quando resolvi que tinha que conhecer mais o samba, que tanto gostava, que tanto caracteriza o país - assim como o futebol e o carnaval, que deveria ser o seu reflexo temporal. Ainda em 2008, o incluí no meu (polêmico) selecionado da música. O "poeta da Vila" seria o meu centroavante, já que talvez só Pelé conseguiria algo em tamanho porte depois. Foram 259 músicas até os 26 anos, quando ele morre por conta da tuberculose. Uma marca incrível de sambas e marchinhas dos mais diversos tipos e que sucessivamente ganhavam o título de "tema do carnaval".

O filme começa com Noel encontrando e se desentendendo com Ismael Silva (Flávio Bauraqui), outro grande nome do samba. O violão serviu para uni-los após uma rápida discussão por conta de jogos de trapaça que Ismael montava. Dali para um bar com Aracy de Almeida (Carol Bezerra), Cartola (Jonathan Haagensen), Francisco Alves (Cristiano Gualda) e Wilson Batista (Mário Broder) foi um pulo e muitos anos pela frente.

Branco, com um queixo pequeno, "ajudado" por um grande nariz e uma boca torta. O estudante de Medicina que saiu batucando no livro "Com que roupa?" no meio da faculdade de forma a atender ao pedido de Ismael de uma composição, tinha nascido para fazer música e cantá-las também. Se a década de 1930 vivenciou uma grande era para o samba se heterogeneizar, digamos assim, a ponto de os desfiles das escolas de samba serem criados na segunda metade dos anos 1930, a imensa qualidade dos sambistas da época foi uma grande responsável.

Daqueles primeiros momentos de Carnaval, e a primeira vez que viu Ceci (Camila Pitanga) no meio das pessoas que cantavam o seu primeiro grande samba deste período, a um salto na história. Dali a cinco anos, a história começa a andar, já com um Noel reconhecido por grandes nomes da música. Aliás, como era Francisco Alves, o grande intérprete daquele tempo e um dos maiores de todos eles no Brasil. Ah, sem falar em "Papagaio", intérprete de algumas das músicas do poeta da Vila e que aparece em muitas partes do filme. Personagem que acaba por homenagear um dos grandes sambistas vivos, Wilson das Neves.



QUE PALPITE INFELIZ!
Como história, apesar de baseada em biografia, tem que ter um romance, é isso que vemos a partir dali. Noel Rosa acaba se envolvendo com uma operária de fábrica têxtil, Linda (Leandra Miranda), que é menor de idade. A família pressiona com o argumento de se ter um desembargador na família, mas o delegado acaba dando um jeito para que Noel não precise se casar com ela. No final, é isso o que ocorre e ela cuida muito bem dele quando se faz necessário.

As cantadas de Noel eram carregas de toda a "filosofia" que marcavam as suas letras e, confesso, que chamar alguém de rainha dos operários é bem engraçado hoje em dia, mas deveria dar muito certo naquela época. Chegar com ousadia então, mesmo para uma "dama do cabaré" como Ceci, dava muito certo.

Acabamos por ver e ouvir as idas e vindas de um Noel que começa a ter as primeiras crises por conta da tuberculose, ao mesmo tempo em que tem uma família, mas que prefere ir aos bares fumar (muito) e beber (muito) em meio aos amigos e, quase sempre, com a presença de Ceci, que tem o trabalho dela, mesmo com o compositor pagando o apartamento.

Enquanto Linda cuidava de Noel, ele procurava Ceci assim que chegava à zona boêmia do Rio de Janeiro. Até que um dia Linda o procura num bar, reclama dele e afirma que estava grávida, deixando a amante irritada com tudo aquilo. Não houve herdeiro de Noel e o filme "resolve" o assunto de uma forma bem "peculiar", digamos assim. Tão, que prefiro nem contar.

No meio disso, vemos a disputa que gerou a minha curiosidade em ver o filme. Música e sua respectiva resposta, cada uma das composições de Wilson Batista é ouvida no filme. As únicas que não são compostas por Noel. Ainda assim, a película foge do boato de que os dois foram inimigos por algum período e sempre os mostra com uma relação de provocações frequentes, mas de amizade.

Como é um filme baseado em personagens reais, não faz mal dizer que Noel acaba piorando da tuberculose e numa crise derradeira, aos 26 anos, após ver o seu pai inventor se suicidar, acaba morrendo. Apesar de só sabermos disso por conta de uma legenda que informa a idade de sua morte e a quantidade de músicas compostas.

Ceci também apresenta forte crise de tuberculose e o diretor optou encerrar o filme com músicas e com os dois seguindo, sob comando automobilístico de "Papagaio", a turma no Carnaval. Uma solução genial!



ÚLTIMO DESEJO
O fato de eu não ter citado o ator que representou Noel Rosa é por um motivo justo. Rafael Raposo interpreta muito bem Noel, inclusive as características físicas, com um jeito de cantar todo particular, já que ali não havia a tradicional "representação do morro", do malandro característico e com problemas físicos que jamais o atrapalharam com as mulheres.

Além disso, creio eu, todos os atores usam as suas vozes para cantar, o que evita dublagens exageradas, como tendem a ocorrer em audiovisuais dedicados à músicos.

Noel - o poeta da Vila nos leva por cerca de 90 minutos com muitas músicas e várias histórias, dentre personagens que são conhecidíssimos por quem gosta de música brasileira e, especialmente, do samba. Por isso, que optei por fazer uma análise mais geral, sem quaisquer críticas, que existem, sobre como o filme é encadeado.

Noel Rosa foi regravado muitas e muitas vezes ao longo de mais de 80 anos, basta digitar seu nome ou de qualquer uma de suas músicas para ver na internet a quantidade de regravações. Destaco para o final a gravação de Martinho da Vila e Maíra Costa de "Último Desejo", que também fecha o filme, porque acabei me acostumando com o jeito do Martinho de cantar as músicas do Noel no álbum "Poeta da Cidade - Martinho canta Noel" (Biscoito Fino, 2010), uma excelente forma de conhecer o "poeta da Vila", através de outro grande nome da Vila Isabel.

Para quem quer relaxar ao som de bons sambas, de histórias que demonstram, ainda que estereotipadas, determinada época do Brasil, Noel - o poeta da Vila é uma grande sugestão. Para quem é fascinado pelo samba, é uma obrigação!

Estátua de Noel no bairro de Vila Isabel
* Veja o filme aqui e leia nos links a seguir nossos comentários sobre dois documentários que também tem o samba/choro como tema: O [magnífico] Mistério do Samba e "Parar só quando não puder carregar o violão".


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