sábado, 8 de dezembro de 2012

"Um homem que foi amado pelo povo, mas que não conseguiu amar o próprio filho"

Estava ansioso para que estreasse "Gonzaga: de pai para filho", dirigido por Breno Silveira, que também já dirigira "Dois Filhos de Francisco", um filme que, mesmo quem não gosta da dupla Zezé de Camargo e Luciano, acaba por se emocionar. Se bem que no meu caso era mais para lembrar do Nordeste com essa referência musical tão característica, agora morando tão distante de lá.

Acabei de sair da minha segunda vez com o filme, algo que não costumo fazer. Não foi algo de escolha anterior, para tirar alguma dúvida que tenha ficado ou porque o filme mereceria ser visto a maior quantidade de vezes possível. Infelizmente, o último dos argumentos não serve, ao menos para mim. Há cenas que causam emoção, há momentos em que até quem não é nordestino vai sentir um aperto no coração, mas me parece que faltou algo - ou algo está faltando em mim neste momento.

A minha experiência é bem maior com Luiz Gonzaga que com Gonzaguinha, ao ponto de eu só saber como o último morreu por conta do filme. Meu pai, dentre os vários discos de Roberto Carlos, tinha - e acho que ainda tem - alguns de Luiz Gonzaga, então foi uma das músicas que ouvia durante a infância. Além disso, criado numa cidade em que a festa junina tem uma grande importância, com quadrilha na escola e tudo o mais, a cada mês de junho estavam lá algumas músicas do Velho Lua a tocar.

Nos últimos anos, quase dois já, vivendo bem distante dos meus lugares de origem, ouvir essas coisas tão "nossas", ainda que sendo um vivente do litoral nordestino, sempre traz lembranças da região. A Vida do Viajante sendo carregada na memória como um bom fundo musical para a jornada atual e para o que eu espero que sejam as jornadas futuras.

Voltemos ao filme... 
Por conta de tudo isso, esperava sentir algo a mais, mas não vou ficar só nas críticas.

Quando escrevi sobre "O Palhaço" (Selton Mello, 2012), candidato brasileiro ao Oscar de melhor filme estrangeiro, critiquei o início modorrento vendo os patrocinadores do filme, um a um, passando na tela enquanto aumentava a agonia para que tudo aquilo passasse de uma vez. Ainda que repetindo o que deve ser um novo formato de retorno da publicidade, colocar Gilberto Gil cantando "No mundo do lua" dá um início que acalenta o espectador:

Afinal de contas se ainda sou rei
É que aí na terra tudo é tão real
E o povo canta o canto que eu cantei
Não importa o certo e o errado, o bem e o mal

O filme toma como base a tentativa de Gonzaguinha de ajudar ao pai, demonstrando os problemas de uma relação que praticamente não existiu, com um sendo desconhecido para o outro e com tantas e aparentes diferenças entre os dois. O filho resolve gravar as histórias do pai, que agora parece permitir que ele o possa conhecer, ainda assim, quando o assunto é a criação dele, teima em discordar, afinal era "um homem que foi amado pelo povo, mas que não conseguiu amar o próprio filho", que só queria ver "um neto de Januário com anel de doutor".

Natural de Exu-PE, a conversa parte do sertão pernambucano e as agruras de uma família que vive sob as rédeas de um coronel, como tantas outras ainda hoje no interior nordestino, em que o amor entre alguém rico com alguém pobre é impossível. Como diz Santana, mãe de Lula, Nazinha era rica, branca e letrada.

Dali para o Exército em Fortaleza e as peripécias para não dar nenhum tiro. "De sanfoneiro a milico", como diria Gonzaguinha, numa das diferenças mais fundamentais para aquele período, anos 80, de ditadura militar, em que o filho protestava por liberdade, enquanto o pai cantava para os milicos - e, algo que não contém no filme, apoiava o regime que lhe "dava o que comer".

O imigrante nordestino chegando ao Rio de Janeiro para ganhar a vida também é uma de um monte de histórias, com as agruras de sempre, neste caso com direito a esquecer as músicas da terra natal e o sucesso por conta da redescoberta das origens, tão distantes para quem é do "Sul", mas que fizeram dançar quaisquer pessoas. O sucesso oriundo da "parceria" com nomes como Humberto Teixeira, de Asa Branca e tantas outras. Parceria entre aspas mesmo, porque as composições com assinatura de Luiz Gonzaga sempre deram pano para manga - o que também não é mostrado no filme.

A história de amor e extremo conservadorismo com Léia, mulher a frente do seu tempo ao querer fazer o que gosta, independente da opinião do marido, que a quer prender em casa. A tuberculose que os separa e separa Gonzaga do filho, ao optar cantar para o Brasil, pagar todas as despesas dele para que não passe necessidades, mas sem ter qualquer proximidade de pai para filho, como tivera com Januário, sobre quem no início do filme diz que quando o filho anda com o pai "se o pai é muito bom, o filho há de ser bom também".

Enquanto se torna Rei do Baião, com direito a cantar na laje do Cine Pax, no Rio de Janeiro, porque ele cantava para o povo, o filho crescia sendo cuidado por Xavier e Dina no Morro de São Carlos, com vários problemas da revolta de crescer longe do pai e numa situação social excludente. Em vez de orientação, o filho é internado no melhor colégio do Rio para sair como doutor, enquanto Gonzaga constrói outra família com Helena, uma fã que virou esposa, mas que se revolta com as constantes viagens do marido e a falta de dinheiro posterior.

Apesar da raiva demonstrada em relação a Luiz Gonzaga do Nascimento Júnior, a quem muitas vezes diz que não deve ser filho natural de Gonzagão, é ela a responsável pelo pedido para que o filho, que "se formou sem o dinheiro" dele e que "fez sucesso sem seu apoio", pudesse resgatar o pai de uma situação ruim.

Na primeira vez que eu vi o filme foi numa sessão à tarde, em Canoas, acompanhado por oito senhores de idade. Hoje, em Porto Alegre, tinha duas pessoas a mais, porém, percebi que o momento de perdão entre pai e filho emocionou algumas pessoas.

No final das contas, acabei não gostando do término da película, justamente por me lembrar a outra de Breno Silveira. Li até de outros críticos que a história poderia ter andado mais, até a morte dos dois, que ficou restrita a legendas. O ápice da união ficaria perdida no meio do caminho.

Não tenho a capacidade de analisar a atuação dos atores do filme, mas é impressionante como o gaúcho Júlio Andrade ficou parecido com Gonzaguinha, pena que haja mais destaques ao pai que ao filho, que passei a conhecer um pouco mais, musicalmente, após ter visto "Gonzaga: de pai para filho" pela primeira vez. Chambinho do Acordeon, que vive Gonzaga adulto, se pela falta de experiência como ator não consegue externar os momentos emocionalmente mais críticos, ganha a simpatia pela habilidade no toque da sanfona e na relação com o público.

De qualquer forma, independente das críticas, é um filme para se ver, para que as pessoas que não conhecem possam saber quem foi Luiz Gonzaga e para outras, que nem eu, possam ser estimuladas a buscar outras coisas de Gonzaguinha. Além disso, é claro, trata-se de uma boa oportunidade para ver, ouvir e sentir o Nordeste, especialmente para quem está fora dele.

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