quinta-feira, 6 de janeiro de 2011

Por trás dos muros: Um olhar diferenciado sobre a loucura

Um famoso dito popular diz que "de médico e louco todo mundo tem um pouco", uma forma de colocar em termos opostos situações que recebem prestígio social de maneira oposta. Quando soube que Acássia Deliê estava escrevendo um TCC sobre o assunto, admirei, antes de qualquer coisa, a coragem em abordar tal tema, especialmente por imaginar que a perspectiva de análise iria transpor as barreiras da cientificidade acadêmica e teria um olhar singular sobre as pessoas que vivem num hospital psiquiátrico, o único público no Estado, o Hospital Portugal Ramalho.

As conquistas do Expocom em 2009, principal prêmio de estudantes de graduação em Comunicação do país, mostram que a qualidade do seu texto, já demonstrada em conquistas anteriores, e sua forma de escrever, com a preocupação no social tão esquecido na prática da comunicação, estiveram em voga em Por Trás dos Muros. Com todo o merecimento, veio a notícia de que o livro-reportagem de conclusão de curso seria publicado em livro por uma editora do Rio de Janeiro, sob o selo Em Pauta.

Tenho parentes que tem ou tiveram problemas psiquiátricos sérios e, pelo pouco que me conheço, acho até que não fugirei à linha genealógica. Apesar de ter lido alguns trechos da obra através do blog da autora, a leitura deste livro poderia ser mais difícil que os demais. Além disso, o processo de elaboração do meu trabalho de conclusão de curso, com a necessidade de dedicação às obras específicas do meu trabalho, acabou fazendo com que o lesse meses após do seu lançamento.

A história de médicos e pacientes através da peça "Atalhos" tem toques de drama, comédia e a tragédia de acontecimentos específicos que acabam por nos apresentar ao mundo da depressão e da loucura. Manoel, Sandra Virgínia, Cristine Mayara e Paulinho. Pacientes com nomes fictícios - obrigação do Conselho de Ética da Ufal - que trazem cada qual uma história, algumas semelhantes a de muitas pessoas que não vivem atrás de muros. Cada qual com sua função na peça apresentada em 2008, na qual não era possível distinguir pacientes e profissionais de saúde.

Como não rir com a história de vida do "malcriado" Manoel, que atende o telefone do Hospital Portugal Ramalho e, desculpem o spoiler, dizer que não era "doido" para se jogar de uma ponte, apesar de cortes frequentes no corpo?

Como não se chocar com alguém que foi obrigada a casar com um homem por conta da vontade dele, o que demonstra as relações coronelísticas existentes em muitas partes de Alagoas?

Como não ficar impressionado com a situação efêmera de um homem que fora profissional do mesmo hospital que estava internado?

Acássia consegue transmitir as informações e os discursos necessários para um produto jornalístico com a qualidade literária e, principalmente, a sensibilidade de tratar como seres humanos que são os homens e mulheres que estão ou passaram pelo Hospital. Além de tratar os profissionais de saúde sob o mesmo método de constituição das demais histórias.

Num trecho sobre uma dessas profissionais, diretamente ligada ao núcleo teatral do HEPR e que criou novos conceitos a partir do convívio com as pessoas de lá, a autora afirma: "Mais do que o amor pelo teatro, Hortência tem respeito pelos atores. E é em nome desse respeito que se sente obrigada a tentar diminuir a distância entre a sociedade e a figura do louco, assim como num dia em 1988, aquela paciente cantante havia feito com ela".

Em Por Trás dos Muros, Acássia Deliê se junta a Everaldo Moreira, Hortência, Marcondes Costa, Nise da Silveira e tant@s outras e outros que tentam enxergar a pessoa com o transtorno psiquiátrico e não a loucura por si só, que tanto afasta por talvez nos aproximar de  sensações que todos nós temos e tememos.

Referência Bibliográfica:

DELIÊ, Acássia. Por Trás dos Muros. Rio de Janeiro: Multifoco,  2010. (em pauta reportagem).

Nenhum comentário:

Postar um comentário