domingo, 21 de dezembro de 2008

Da proximidade ao afastamento


É incrível como os livros têm a capacidade de causar inúmeras sensações a quem o lê. Inclusive, alguns deles nos proporcionam a possibilidade de navegar em vários sentimentos no mesmo livro. Pelo que li de George Orwell, ele é capaz de fazer isso.
Em A Flor da Inglaterra (do original Keep the aspidistra flying) Orwell desvela mais elementos importantes sobre a estrutura social da sua época. Neste livro escrito em 1937 as relações sociais são mediadas pelas mercadorias, como já colocara Marx alguns anos antes. Dentre as quais, a representação do valor do capital, o dinheiro é o principal ponto de ligação e afastamento das personagens.
Gordon Comstock poderia ser o típico inglês: aquele que ganha um salário médio após trabalhar com algo que foi forçado a gostar e vivendo à mercê da quantidade de dinheiro que tinha na carteira. Ah, e com uma aspidistra (planta inglesa) decorando a casa, geralmente na janela. Porém, Comstock não faz isso. Deixa emprego, entra noutro em que recebe menos, mora numa pocilga. Tudo isso para fugir do dinheiro.
“O que ele percebeu, e com uma clareza que só aumentou com a passagem do tempo, foi que o culto ao dinheiro tinha sido elevado à categoria de verdadeira religião. E talvez a única religião autêntica – a única religião autenticamente sentida – que nos resta. O dinheiro é o que Deus já foi. O bem e o mal não significam mais nada, a não ser fracasso ou sucesso. Daí a expressão de sair-se ou dar-se bem. [...] Não haverá revolução na Inglaterra enquanto houver aspidistras nas janelas (p. 59).”
É neste ponto que concordo com ele. Já tive minha fase, assim como Gordon a tem na maior parte do livro, de acreditar que seria este o elemento que garantiria amizades, relacionamentos mais sérios e conforto. Por isso, desde o início passei a vestir o personagem, como se fosse eu próprio.
Gordon representava a esperança de uma família que dependia dele para prosperar, senão os Comstock terminariam por ali. Sua irmã, Júlia, deixara os estudos e o ajudava financeiramente acreditando na possibilidade dele ser o que todos esperavam. Porém, não haviam combinado com ele que, pelo contrário, tinha horror a ter um emprego bom.
Mesmo assim, Gordon chegou muito perto de ser o homem típico da Inglaterra, inclusive devido a sua forma de escrever, mas não a de um poeta, como gostaria. Gordon Comstock acabou caindo por indicação de amigos, e após renegar algumas propostas de ganhar dinheiro, justamente no local em que ajudar a gerá-lo é o principal foco: uma empresa publicitária. Fazia, muito bem, mensagens publicitárias. É com esta cena, ao longo do livro, que sabemos o motivo que ele tanto odeia olhar para cartazes com propagandas.
Saiu de lá, mas na estava livre do seu adversário. Gordon, após ter recebido uma boa quantia de uma revista estadunidense por umas poesias publicadas, resolve gastá-lo com muita bebida. Foi o momento da minha necessidade de afastamento do personagem. Nesta parte parecia sentir cada tontura dele, o cheiro de seu bafo de bebida, suas ânsias de vômito. Desta vez não me identificava com aquilo. Sentia asco de toda aquela situação. Será que por nunca ter feito aquilo, ter se entregado aos vícios dos mais comuns entre as pessoas da minha idade? O fato é que tão logo queria passar destas páginas do livro.

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